quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Dia de faxina

Dia de faxina

(Paula Campos Soares)

Ontem foi dia de final de campeonato. Atlético Mineiro e Cruzeiro decidiam a Copa do Brasil e, obviamente, antes do jogo já se viam ofensas mil, principalmente nas redes sociais. E isso significa que ontem foi dia de faxina. Dia de deixar de seguir, de “varrer” aquelas pessoas que não sabem publicar nada que não seja sobre futebol (ofensas ou não, galera! Só queria dizer que existem outros assuntos.) para debaixo do tapete.
Bem, nas redes sociais, a gente bloqueia; em casa, a gente lamenta a falta de educação e de respeito dos vizinhos do nosso prédio, e das pessoas da nossa cidade, que gritam, soltam fogos e fazem buzinaço durante a madrugada. “Peraí”, vocês não trabalham, não? Sério! As pessoas normais merecem descanso e merecem o direito de não saber o resultado de um jogo de futebol.
Tudo isso é exemplo da total falta de respeito que existe por aí. Venho sendo rodeada por ela. Nas ruas, na família, no trabalho... Um exemplo é a insistência. Se você pede algo para alguém e a pessoa nega, respeite. Se você se interessa por alguém, tem o direito de dar em cima da pessoa, mas se a pessoa diz “não”, respeite. “Não” é “não”. Se você acha que seu amigo está muito sozinho (mesmo que ele não reclame disso), tem até o direito de querer arrumar alguém para ele, mas, se ele não quer, aceite o “não”. Respeite. Sou contra esse tipo de insistência. Uma vez dito o “não”, eu respeito. A pessoa tem motivo para negar, galera! Não é à toa. Mas, enquanto eu penso que “não” é “não”, a maioria das pessoas pensa “Não é, não!” e insistem.
Insistindo na insistência, insisto em reclamar de certas atitudes que vejo por aí. Praticamente nada me irrita mais que adultos (“adultos”) que teimam (para não usar o verbo insistir) em agir como crianças, rindo dos outros, gritando, cantando ofensas e irritando pessoas que estão quietas em seu canto, que podem estar assim por causa de algum sofrimento ou podem ser, simplesmente, tímidas, sérias, podem querer apenas balançar a cabeça para cima para cumprimentar ao invés de abrir um sorriso de orelha a orelha e gritar “bom dia!”. Falsidade é questão de escolha. Gostaria que essas pessoas insistissem em coisas mais úteis, como crescer, amadurecer, entender e, acima de tudo, respeitar.
Aos que querem aparecer: sugiro melancia. Pesa menos que suas ações. Aos atleticanos: que não fiquem rindo e desrespeitando o Cruzeiro, atual campeão brasileiro. Aos cruzeirenses: e daí que o título deles é inédito e vocês têm quatro (quando conquistaram o primeiro, ele era inédito para vocês. Não?)?
Dia de faxina é assim, a gente enxerga o que está entulhando e joga fora. Tenho feito isso nas redes sociais, espero ansiosamente que o ano acabe para eu fazer isso em certos grupos sociais (e reais) meus. Poder manter perto de mim, mesmo que virtualmente, o que me agrada e me faz bem. Varrer os desrespeitosos pra bem longe, torcendo para que, se um dia o vento os trouxer de volta, eles já tenham sido varridos do desrespeito.


27/11/2014

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Escolhas

Escolhas

(Paula Campos Soares)

Andando pelo bosque, Tite ouviu um barulho triste. Seguindo a direção do vento, ele descobriu de onde o barulho vinha. Encontrou no primeiro galho de uma árvore baixa um ninho de pássaros, onde havia dois filhotes. Os dois gritavam, incomodados, mas apresentavam comportamentos diferentes: um era agressivo e o outro transparecia uma tristeza no olhar. Tite se identificou com o pássaro triste, fez um carinho nele e voltou pra casa.
Todos os dias, uma vontade enorme de cuidar daquele pássaro enchia seu ser. Sempre que podia, ele ia visitá-lo. Certo dia, ele chegou e o encontrou machucado: "O que houve, amiguinho?", escutou um grito e viu a mãe e o outro filhote chegarem. Chegaram irritados, agressivos e logo ele notou que o machucado foi causado por eles. Ele não poderia deixá-lo ali, sofrendo com sua própria família. Voltou para casa, comprou uma gaiola e no dia seguinte, quando encontrou seu amigo sozinho no ninho, embrulhou-o num lençol e o levou para casa.
Os dois já eram grandes amigos, a melhor companhia de cada um. E assim viveram anos e anos, felizes, contentes, sem de mais nada precisarem. O pássaro não apresentou mais aquele olhar triste e Tite se sentia completo em sua companhia. Com o passar dos anos, porém, o menino notou que seu pássaro se tornara bastante dependente dele, não fazia nada sem ele. Ficou sabendo que estava sempre triste na sua ausência e isso tornou-se um incômodo. Tite, então, pensou: "Vou incentivá-lo a sair da gaiola, andar pela casa e, depois, aprender a voar!". E assim o fez. No entanto, o pássaro não sentia vontade de sair da gaiola e, as poucas vezes em que fazia isso, sempre olhava para Tite, chamando-o e só andava pela casa quando o menino o acompanhava.
E os anos se passaram seguindo tal rotina. Tite sempre se incomodou com a situação e pensou: "Não tem jeito! Terei de deixar a janela sempre aberta, para que ele veja a natureza e tenha vontade de conhecer o mundo.". E assim o fez. O pássaro passou dias só observando. Saía da gaiola e olhava pela janela, via as folhas sendo levadas pelo vento, as árvores balançando, os outros pássaros cantando... Achava tudo lindo, mas bastava ficar ali, observando, e ele ficava feliz.
Certo dia, um barulho ensurdecedor assustou a todos. Algumas das árvores que ficavam em frente à janela foram derrubadas. Triste e com medo, o pássaro ficou o resto do dia encolhido em sua gaiola e dormiu.
Abriu os olhos, sentindo um incômodo imenso. Uma luz que ele não sabia explicar o que era penetrava sua gaiola e o forçava a acordar. Era o desconhecido sol. O pássaro ficou fascinado por ele e resolveu sair pela janela. Assustado e medroso da primeira vez, mas cada vez mais confiante nas outras. E assim, ele conheceu lugares novos, animais diferentes e outras pessoas, inclusive. Tite, no início, ficou feliz, porém, começou a se sentir incomodado a cada vez que o pássaro chegava feliz também. O menino notou que o pássaro era sua única companhia, mas, em vez de passar mais tempo com ele, o menino se isolava de todos, ficava só com seus livros, não brincava mais com seu amiguinho e começou a destratar o passarinho, dizendo que se fosse para ele sair sempre e voltar tarde, ele deveria não voltar mais. E um dia foi isso que aconteceu. Quando já não se sentia mais bem-vindo, foi viver com a luz que iluminou sua vida. Sempre se lembrava com carinho e amor do menino que o salvou de sua família e a saudade sempre o fazia triste e melancólico. Mas esse menino já não era o mesmo. O pássaro olhou para frente, para seu futuro, e viu o sol. Será julgado, com certeza, e tido por ingrato, mas fez sua escolha. Quis arriscar ser feliz.


2014