terça-feira, 18 de novembro de 2014

Escolhas

Escolhas

(Paula Campos Soares)

Andando pelo bosque, Tite ouviu um barulho triste. Seguindo a direção do vento, ele descobriu de onde o barulho vinha. Encontrou no primeiro galho de uma árvore baixa um ninho de pássaros, onde havia dois filhotes. Os dois gritavam, incomodados, mas apresentavam comportamentos diferentes: um era agressivo e o outro transparecia uma tristeza no olhar. Tite se identificou com o pássaro triste, fez um carinho nele e voltou pra casa.
Todos os dias, uma vontade enorme de cuidar daquele pássaro enchia seu ser. Sempre que podia, ele ia visitá-lo. Certo dia, ele chegou e o encontrou machucado: "O que houve, amiguinho?", escutou um grito e viu a mãe e o outro filhote chegarem. Chegaram irritados, agressivos e logo ele notou que o machucado foi causado por eles. Ele não poderia deixá-lo ali, sofrendo com sua própria família. Voltou para casa, comprou uma gaiola e no dia seguinte, quando encontrou seu amigo sozinho no ninho, embrulhou-o num lençol e o levou para casa.
Os dois já eram grandes amigos, a melhor companhia de cada um. E assim viveram anos e anos, felizes, contentes, sem de mais nada precisarem. O pássaro não apresentou mais aquele olhar triste e Tite se sentia completo em sua companhia. Com o passar dos anos, porém, o menino notou que seu pássaro se tornara bastante dependente dele, não fazia nada sem ele. Ficou sabendo que estava sempre triste na sua ausência e isso tornou-se um incômodo. Tite, então, pensou: "Vou incentivá-lo a sair da gaiola, andar pela casa e, depois, aprender a voar!". E assim o fez. No entanto, o pássaro não sentia vontade de sair da gaiola e, as poucas vezes em que fazia isso, sempre olhava para Tite, chamando-o e só andava pela casa quando o menino o acompanhava.
E os anos se passaram seguindo tal rotina. Tite sempre se incomodou com a situação e pensou: "Não tem jeito! Terei de deixar a janela sempre aberta, para que ele veja a natureza e tenha vontade de conhecer o mundo.". E assim o fez. O pássaro passou dias só observando. Saía da gaiola e olhava pela janela, via as folhas sendo levadas pelo vento, as árvores balançando, os outros pássaros cantando... Achava tudo lindo, mas bastava ficar ali, observando, e ele ficava feliz.
Certo dia, um barulho ensurdecedor assustou a todos. Algumas das árvores que ficavam em frente à janela foram derrubadas. Triste e com medo, o pássaro ficou o resto do dia encolhido em sua gaiola e dormiu.
Abriu os olhos, sentindo um incômodo imenso. Uma luz que ele não sabia explicar o que era penetrava sua gaiola e o forçava a acordar. Era o desconhecido sol. O pássaro ficou fascinado por ele e resolveu sair pela janela. Assustado e medroso da primeira vez, mas cada vez mais confiante nas outras. E assim, ele conheceu lugares novos, animais diferentes e outras pessoas, inclusive. Tite, no início, ficou feliz, porém, começou a se sentir incomodado a cada vez que o pássaro chegava feliz também. O menino notou que o pássaro era sua única companhia, mas, em vez de passar mais tempo com ele, o menino se isolava de todos, ficava só com seus livros, não brincava mais com seu amiguinho e começou a destratar o passarinho, dizendo que se fosse para ele sair sempre e voltar tarde, ele deveria não voltar mais. E um dia foi isso que aconteceu. Quando já não se sentia mais bem-vindo, foi viver com a luz que iluminou sua vida. Sempre se lembrava com carinho e amor do menino que o salvou de sua família e a saudade sempre o fazia triste e melancólico. Mas esse menino já não era o mesmo. O pássaro olhou para frente, para seu futuro, e viu o sol. Será julgado, com certeza, e tido por ingrato, mas fez sua escolha. Quis arriscar ser feliz.


2014

Um comentário:

Felipe Souza Soares disse...

E o menino, triste e sozinho, assim permaneceu. Não sendo mais tão menino, pôde claramente perceber que tinha apenas gaiolas a oferecer.