domingo, 11 de abril de 2010

As paredes têm ouvidos

As paredes têm ouvidos
(Paula Campos Soares)

Era uma vez um lindo prédio, na verdade ele não era lindo externamente, mas trazia algo mágico dentro de si: todos que lá entravam aprendiam algo. O prédio era bem grande. Quando se entrava lá, muitas vezes não se sabia para onde ir, tamanhas eram as oportunidades que lá se encontravam para conhecer algo novo. O prédio tinha muitas salas; umas grandes, umas pequenas, umas decoradas, outras vazias.
Certo dia, uma menina bem novinha foi chamada para este lugar. Várias pessoas passavam grande parte do dia neste lugar; umas imploravam para ir, mas outras, estas especiais, eram convidadas. Quem implorava para ir a este prédio estava sempre receoso, pois bem sabia que a qualquer momento poderia ser convidado a se retirar de lá para sempre; já quem fora convidado estava tranquilo, pois só sairia de lá se quisesse.
A menina se encantou pelo prédio. Ela já havia estado em lugares parecidos, mas nunca havia sentido uma sensação tão boa como a que sentiu no dia em que chegou ao prédio. Muitas pessoas eram vistas pelos corredores e pelas salas, porém algo de estranho ela encontrou no lugar: ninguém era mais velho que ela; alguns eram mais novos, outros da mesma idade, mas ninguém era mais velho. Ela ficou se perguntando o porquê disso.
Um sino soou e ela foi levada, sem que ninguém a guiasse, até uma sala bem grande. Esta sala era chamada de intersala. Ela tinha este nome porque era onde as pessoas podiam interagir umas com as outras. A garota logo pensou: “Então, aqui poderei ver outras pessoas, inclusive mais velhas do que eu”. Sua empolgação logo acabou. Só havia as mesmas pessoas que ela havia visto no corredor pouco antes. Uma outra menina estava bem quieta no canto, mas, logo que viu a novata, veio conversar com ela.
_             Oi, como vai? Meu nome é Marie.
_             Olá.
_             É sua primeira vez aqui, né? Deve estar gostando.
_             Bem, sim. Mas algo está me incomodando.
            Sério? – perguntou Marie surpresa – O quê? 
_             Por que não há pessoas mais velhas neste prédio?
_             Lógico que há pessoas mais velhas, só que elas ficam no último andar. Um dia nós vamos para lá também.
_             Mas por que ficam isoladas de nós?
_             Todos dizem que é porque são superiores a nós, mais experientes, mais sábias.
_             Continuo sem entender. Quer dizer que não somos sábias? Que somos inferiores?
_             É o que dizem.
A menina se despediu de Marie, sentou-se pensativa e começou a olhar em volta. Ela notou que por mais bonita que a sala fosse, ela possuía uma peculiaridade bem estranha: todas as paredes tinham ouvidos. Das quatro paredes da sala, todas tinham ouvidos, porém uma lhe chamou mais atenção. Ela se levantou e viu que a parede em frente a ela, próxima de onde ela estava conversando com Marie, tinha um desenho de uma orelha, assim como as outras também tinham, só que esta orelha estava de cabeça para baixo. Ela passou a mão pelo desenho e ouviu um grito. Olhou para os lados e ninguém parecia estar gritando. Passou novamente a mão pelo desenho e ouviu uma voz que dizia: “Pare com isso! Faz cócegas!”
_             Algum problema? – perguntou Marie, que estava logo atrás da menina.
_             Esta parede falou! Ela gritou! – exclamou a menina, completamente assustada.
            E daí?
            Como assim “E daí”? Paredes não gritam.
_             As únicas paredes que não gritam, quero dizer, não falam, são as outras três desta sala. Elas só escutam. Todas as outras paredes do prédio escutam e falam também. – elucidou Marie. - Você não sabia que as paredes têm ouvidos?
A menina ficou boquiaberta, sem saber e sem ter o que falar. Depois de alguns longos segundos, ela sussurrou: “Então é verdade...”
Depois de vários dias no prédio, ela só sabia olhar para as paredes e ver as orelhas nelas. Todas estavam de cabeça para baixo. Ela até descobriu que o sinal que ela escutava todos os dias para ir à intersala era feito por essas orelhas falantes.
O prédio era governado por uma pessoa que não ficava ali e que ninguém conhecia pessoalmente. Só uma pessoa conhecia o governador. Esta pessoa era o diretor do prédio. Só ele tinha contato com o governador e só ele, embora raramente, saía do último andar. Certo dia, as pessoas na intersala foram surpreendidas por uma visita ilustre: o diretor.
_             Boa tarde, meus amigos. Como vão vocês?
Todos ficaram extasiados. Marie havia dito que quase todos o idolatravam. Quando foi indagada sobre a razão desta idolatria, ela disse que ele não punia ninguém que chegasse atrasado ou não aparecesse no prédio. Mas Marie não gostava dele. Ele mandava todos falarem bem dele e todos faziam isso, como uma troca de favores.
_             Soube que recebemos uma nova integrante há alguns dias. Peço desculpas por não tê-la recebido antes. Gostaria que pudéssemos conversar um pouco.
Todos olharam para a menina com um olhar de inveja. Ela ficou sem graça e Marie ficou espantada com a atitude do diretor, já que ele nunca conversava com ninguém isoladamente. Porém algo de estranho no sorriso do diretor intrigou a menina. O diretor pediu para que todos esvaziassem a sala e que só a novata permanecesse lá com ele.
_             Olá, querida. Qual o seu nome?
_             Jen.
_             Bem, Jen. Ouvi dizer que você não está à vontade aqui.
_             Eu?
_             É. Ouvi dizer que não gosta de nós do último andar.
_             Nunca disse isso. Nem os conheço.
_             Não minta para mim! Você quer que eu a expulse daqui?
_             Lógico que não! Não falei nada disso!
_             Eu posso expulsá-la!
_             Claro que não pode. – falou Jen irritada já.
_             Como ousa me desautorizar?
_             Você não sabe que fui convidada a entrar aqui?
_             E daí?
_             E daí que quem é convidado só sai se quiser.
O diretor ficou sem saber o que falar quando pego pela astúcia da menina. A menina logo notou que ele, embora diretor, não sabia de nada que acontecia no prédio nem como funcionavam as regras do mesmo.
_             Eu sei que você falou que não somos superiores a vocês, Jen.
_             Eu fiquei perplexa pela desigualdade de tratamento, de relacionamento. E eu acho que ninguém é inferior a ninguém. Só isso. Em momento algum falei que não gostava de vocês.
_             Bem, então aprenda que aqui as coisas funcionam deste jeito. Peço desculpas se as notícias chegaram de maneira errada até mim.
O diretor olhou com uma cara de raiva para a parede da orelha de cabeça para baixo e foi saindo da sala. Mas antes disse:
_             Se não estiver à vontade aqui, é só pedir para ir embora.
Jen ficou olhando pensativa para a parede em questão e logo entendeu: estas paredes fofocam umas com as outras até que a notícia chegue ao último andar. Marie chegou e perguntou o que houve. Jen contou a ela e exclamou:
_             Só não entendo por que as notícias chegaram de maneira distorcida!
            Ora, olhe bem para a parede. Olhe para as outras três. Qual a diferença?
_             Lógico! Como elas estão ao contrário, elas entendem tudo errado.
_             Isso, e elas são as únicas que falam. Lembra? Elas são revoltadas por serem deformadas e passam adiante tudo que escutam, porque não gostam de ver ninguém bem. Gostam de intriga, de briga.  Nós erramos aquele dia também.
_             Como assim “erramos”?
_             Se quisermos conversar sem que ninguém nos ouça, temos que conversar perto das outras três paredes aqui da intersala. Elas não falam. Elas só escutam, mas da maneira correta. São felizes assim e transmitem vibrações boas para quem está perto delas. E você? Vai pedir para ir embora como ele sugeriu?
_             Não. Vou ficar. Aqui é bom. Tenho a sensação de que ficando poderei ajudar muitas pessoas a descobrirem a verdade sobre este lugar. Quanto mais pessoas instruídas sobre isso, melhor ficará este prédio. Pense bem! Desta maneira, as paredes podem fofocar à vontade que ninguém vai acreditar nelas.
E foi assim que a menina descobriu como o grande prédio é. Nem todos são confiáveis, alguns são invejosos, outros interesseiros.  Mas isso tinha uma explicação. E ela aprendeu isso. Todos aprendem alguma coisa neste prédio. Uns aprendem a ter inveja, outros a serem “superiores”. O que a menina aprendeu? Aprendeu que as paredes têm ouvidos e que devemos saber onde conversar tranquilamente, já que nem todos os lugares são seguros. Aprendeu também que se tivermos um pouco de boa vontade, podemos enfrentar as adversidades e mudar o prédio onde estamos e as pessoas que estão nele conosco, para que todos possam aproveitar este lugar mágico da melhor maneira possível.


20/02/2010

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